Há cinco anos, um vigia ergue no agreste do Rio Grande do Norte uma "réplica" do Titanic, a 200 km do mar, com recursos próprios e ajuda da esposa.
O que aconteceu
Jailson Gomes dos Santos, 52, está construindo um "navio" de pedra, areia e cimento no sertão potiguar. Com sete metros de altura e 20 metros de comprimento, a estrutura fica em Santa Cruz (RN), na comunidade rural de São Francisco de Assis, às margens da RN-023, em um terreno de 100 metros quadrados onde ele também ergue uma casa de veraneio. O município, com pouco mais de 40 mil habitantes, fica a 200 km da praia mais próxima, em Pipa.
O mirante que Santos planejava erguer virou "réplica" do Titanic após comentário de uma visitante. A ideia inicial do vigia era aproveitar um amontoado de pedras no terreno, deixado pelas obras da rodovia, para construir um ponto de observação. O rumo mudou quando uma motorista de aplicativo disse enxergar na estrutura a forma de um navio. A partir daí, ele decidiu transformar o projeto em uma "réplica" do famoso navio.
Sem apoio financeiro, o vigia banca a construção com sacrifícios pessoais. Para comprar areia, cimento e madeira para as formas do navio, às vezes ele deixa de adquirir produtos do dia a dia. "Deixo até de comprar carne para gastar no Titanic", conta.
Entre noites no trabalho e dias de esforço no navio, Santos não descansa. Há 20 anos atuando como vigia, ele se considera um "pedreiro amador" e aproveita férias inteiras e finais de semana para erguer a estrutura. "Trabalho todas as noites como vigia, mas quando sobra um tempinho, corro para o navio. É meu sonho", diz.
O vigia ergue o "Titanic do agreste" com a ajuda da esposa, a quem chama de "retroescavadeira". Maria de Lima Rocha dos Santos, 62, é casada com ele há 30 anos. Sem filhos, o casal divide a rotina entre o emprego dele e as tardes de trabalho no terreno. "Ela me ajuda fazendo massa, encosta o pé na obra. Chamo ela de minha retroescavadeira", brinca.
O navio de pedra está ganhando vida com a presença de visitantes. Nos fins de semana, o espaço se transforma em cenário de fotos e vídeos que reforçam a fama curiosa da construção.
Na proa, casais e crianças imitam a cena clássica de Jack e Rose. Apesar de ainda não estar concluído, o espaço já recebe moradores de cidades vizinhas e até de outros estados. Eles posam para fotos e vídeos com os braços abertos diante do "mar" imaginário, como no filme estrelado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet.
Nos fins de semana, Santos veste farda de comandante para receber visitantes. O uniforme foi presente de um amigo e é usado durante as visitas. "O povo me chama de comandante. Quando me visto assim e vejo as crianças tirando foto, me emociono e choro muito", afirma o "capitão Jailson".
O espaço ganhou som ambiente com música do Titanic e barulho de mar. O vigia instalou caixas para tocar uma versão instrumental de My Heart Will Go On, originalmente interpretada por Celine Dion, junto ao som das ondas, criando uma atmosfera de navegação. "É como se a gente estivesse navegando. Quero que a pessoa sinta isso quando entra", diz.
Visita é gratuita, mas ele não descarta cobrar uma taxa simbólica no futuro. "Não quero cobrar agora porque não está pronto. Quem sabe, quando terminar, eu coloco uma taxinha", diz.
Apesar de usar pedras reaproveitadas do terreno, Santos precisa gastar com outros materiais. Ele compra areia em caçambas e já utilizou mais de um caminhão de cimento, além de madeira para moldar a estrutura. O vigia diz que pretende seguir com o trabalho até deixar o "Titanic do agreste" completo. "Eu peço a Deus saúde e coragem para terminar. Um dia chego lá", afirma.
"Capitão Jailson" espera apoio para concluir a obra. Ele quer tornar o espaço atração oficial da cidade e espera obter ajuda de empresários e do governo para concluir a obra e trazer turistas de todo o Brasil e até do exterior. "Quero ser conhecido nacional e internacionalmente. Meu sonho é que um dia o mundo conheça a obra", afirma.
Divulgação e orientação
A Prefeitura de Santa Cruz pretende apoiar o "Titanic do agreste" com divulgação e orientação. Segundo a secretária de Turismo Jozy Carvalho, a gestão pode ajudar a profissionalizar o sonho de Santos, orientar no turismo comunitário e buscar parcerias. "É cultura viva, identidade, a prova de que o turismo também nasce da alma do povo", diz.
Secretária de Turismo diz que navio é motivo de orgulho e pode virar atração oficial da cidade. "A gente vê com muita alegria e encantamento. O 'Titanic do agreste' é mais do que uma curiosidade, é uma expressão da criatividade e da força do nosso povo", afirma.
Projeto pode complementar roteiro turístico já consolidado em torno de estátua famosa. Com 56 metros de altura, a estátua de Santa Rita de Cássia é considerada a maior estátua católica do mundo dedicada a um santo e é o principal cartão-postal religioso de Santa Cruz (RN). "Santa Rita é o grande coração da nossa fé e da nossa identidade, mas toda novidade que surge pode enriquecer o roteiro turístico. O 'Titanic do agreste' pode sim dialogar com essa experiência, trazendo diversidade para quem visita Santa Cruz", diz Carvalho.
UOL